segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Um dos mais lindos textos de Guiomar Terra...

De Guiomar Terra
QUANDO SETEMBRO VIER

Quando setembro vier, um outro sol, com matizes mais coloridos, com seus raios muito, muito mais fulgurantes e mais, muito mais quentes chegar, mandará embora esta invernia que açoita os pampas e afastará todos os frios, fazendo menos tristes os bichos, as árvores, as gentes.

Quando setembro vier e com ele chegarem os ares da primavera, da terra em cio brotarão sementes adormecidas, flores que desejam apenas florir, dar-se por inteiro em cores e perfumes; folhas verdes magicamente vestirão todos os galhos nus, e até dos pássaros feridos ouviremos os cantares, trazendo alento aos dias mais cinzentos.

Quando setembro vier afastando a invernia, as meninas e meninos de calças curtas e pés descalços, continuarão indo às suas escolas, continuarão brincando em seus bairros, continuarão dormindo em seus catres com cobertas ralas, continuarão trabalhando como agora o fazem, enquanto os senhores continuarão a embriagar-se bebendo vinhos caros.

Quando setembro vier, abrir-se-ão todas as janelas e todas as portas, de todas as casas e de todas as almas, de todos os peitos, de todos os rostos. A lábio algum será permitido abrir-se em meio sorriso, apenas poderão abrir-se em sorrisos largos, inteiros, vibrantes, pondo nova luz em cada olhar.

Quando setembro vier, mandarei embora esta saudade que me judia, que me aniquila, que me humaniza, que me faz gente e me faz chorar, e até sentirei saudade da saudade sentida.

Quando setembro vier, deixarei a criança que me habita jogar fora o bom senso e as convenções: pés descalços e roupa pouca, brincarei na chuva mansa, abrirei boca e olhos e sorverei da água da sabedoria, esquecida do tanto que arranquei de mim a cada lágrima, derramada a cada dia, a cada estação, gota a gota.

Quando setembro vier, enfrentarei minha própria covardia; erguer-me-ei, sacudirei a poeira acumulada na invernia, que me atingiu corpo e alma, e como uma fênix, renascerei das cinzas; de liras douradas tirarei uma nova melodia e seguirei cantando ao vento a canção da vida, que ensina ser a vida curta demais para os rancores, que em minha alma não cabem ódios e dores, que esta marca não pode caber em mim.

Quando setembro vier, hei de colher flores simples e singelas pelos campos, para uma oferenda aos simples e singelos amigos e familiares que possuo, a quem tanto quero, que não sejam tantos, e que desejo sejam, bem mais que singelos, sinceros, eternamente, profundamente sinceros.

Quando setembro vier, que traga consigo, para sempre, o amor, a compreensão e o respeito entre as pessoas, a compaixão pelos que sofrem, o alívio a todas as dores, a esperança nas desilusões, a paz entre os povos; que todos os privilegiados com saúde e as vidinhas organizadas, envergonhem-se de seus lamentos, compreendam o dever de serem felizes.

Quando setembro vier saibamos ser felizes e simples, simplesmente...

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