quinta-feira, 26 de março de 2009

ALUNOS COM DEFICIENCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Este trabalho tem como objetivo proporcionar ao professor da pré-escola alguns subsídios no sentido de ampliar seus conhecimentos em relação à criança portadora de visão subnormal, aprimorando conseqüentemente, sua atuação em sala de aula.
Para tal, é necessário abordar alguns aspectos em relação à clientela atendida na pré-escola do Instituto Benjamin Constant.
O Jardim de Infância, segmento da pré-escola dessa instituição, atende crianças cegas e de visão subnormal na faixa etária compreendida entre 4 e 7 anos de idade, adotando um regime de internato e semi-internato, segundo escolha da família.
No início do ano letivo, no período de adaptação escolar, as crianças são avaliadas a nível cognitivo, motor, sócio-afetivo e agrupadas em turmas segundo o nível de desenvolvimento em que se encontram. O trabalho pedagógico nessa fase é fundamentado num currículo específico na área da deficiência visual, objetivando proporcionar atividades diversificadas que favoreçam a ampliação do universo cognitivo, psicomotor, social e afetivo da criança portadora de deficiência visual.
Os alunos da pré-escola, como aqueles matriculados nos outros segmentos da instituição, são avaliados oftalmologicamente no período de férias, que antecede ao início do ano letivo. Portanto, quando se inicia o período escolar os professores já têm conhecimento sobre as patologias que seus alunos apresentam.
Tem-se observado que algumas patologias que não eram comuns na fase da pré-escola, tornaram-se mais freqüentes. É o caso da Coriorretinite Macular Congênita, da Atrofia Óptica e da Retinose Pigmentar.
Compreendendo que, neste período de desenvolvimento, uma estimulação adequada conduz a uma melhora sensível na qualidade do desempenho visual, o trabalho desenvolvido com a criança portadora de visão subnormal baseia-se fundamentalmente em conduzi-la de forma criteriosa e gradativa no educar de sua visão residual, na compreensão do que pode ver, despertando, dessa maneira, sua consciência visual.
Portanto, todas as crianças na pré-escola, consideradas portadoras de visão subnormal, são encaminhadas à Coordenação da Estimulação da Visão Funcional, para atendimento individualizado, independente de utilizarem recursos ópticos ou não.
Outro aspecto a ser abordado refere-se ao próprio trabalho desenvolvido em Educação Visual na pré-escola, implantado pelo Instituto Benjamin Constant, no início de 1994, através da Coordenação da Estimulação da Visão Funcional.
Nos anos de 1990 a 1991 houve uma tentativa de desenvolver um trabalho nessa área . Essa tentativa teve caráter voluntário por parte de especialistas que atuavam na instituição. Enfrentando uma série de dificuldades, inclusive quanto aos recursos disponíveis, humanos e materiais,ele foi interrompido. O atual trabalho desenvolvido em Educação Visual na pré-escola dá continuidade a essa primeira iniciativa, agora com recursos humanos e materiais adequados, apresentando a mesma fundamentação, que consiste no desenvolvimento da eficiência funcional da visão através de - estimulação e “aprendizagem para VER”.
É importante ainda acrescentar, que a realidade da criança portadora de visão subnormal envolve imperiosa necessidade de constantes estudos por parte dos educadores que com ela atuam, visando a contínua atualização de seus conhecimentos e o aprimoramento de sua atuação pedagógica.
O pensamento de Jean Dolent é extremamente pertinente ao encerramento desta introdução:

“ESCREVO NÃO PARA ENSINAR, MAS PARA ME INSTRUIR.”

Portanto, o trabalho ora apresentado está sujeito a modificações em função de estudos posteriores, bem como também, está aberto a sugestões e críticas por parte daqueles que já vivenciam experiências com crianças de visão subnormal.

I -VISÃO SUBNORMAL

1 - DEFINIÇÃO (1)

“Visão subnormal (VSN) é uma perda severa da visão que não pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico nem por óculos convencionais. Também pode ser descrita como qualquer grau de enfraquecimento visual que cause incapacidade e diminua o desempenho visual.
O portador de VSN, dependendo da patologia, apresenta comprometimentos relacionados à diminuição da acuidade e/ou campo visual, adaptação à luz e ao escuro e percepção de cores”.

2 - CAUSAS (2)
- Congênitas: ocorrem no nascimento, sendo que muitas são de origem genética, Exemplo: Coriorretinite Macular; Catarata Congênita; Glaucoma Congênito; Albinismo e Retinose Pigmentar.
- Adquiridas: ocorrem por traumatismos, alcoolismo, drogas em geral, radiações, infecções ( sífilis, rubéola, toxoplasmose) ou derivadas de outras doenças (diabetes). Exemplos: Retinopatias; Coroidites; Glaucoma , etc.
Um dos aspectos mais importantes en VSN é a PREVENÇÃO: Aconselhamento genético; Campanhas de Saúde Pública; Cuidados Médicos; Campanhas Contra Acidentes de Trânsito; Alimentação Correta; etc

3 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRIANÇA PORTADORA DE VSN.

O indivíduo portador de VSN, a nível do ajustamento pessoal e social, encontra-se numa posição intermediária entre a realidade das pessoas que enxergam normalmente e àquela dos deficientes visuais totais.
Ao ser tratado como “cego” fica impedido de desenvolver de maneira eficiente sua visão residual; tem consciência que não é cego e vive com o constante medo da perda de visão. Sendo tratado como alguém com visão normal, suas reais limitações não são devidamente compreendidas, devido ao alto grau de expectativa que as pessoas com quem convive têm em relação às suas habilidades e capacidades. Em ambos os casos, o indivíduo com VSN tende a vivenciar um ajustamento desarmonioso causado pelos sentimentos conflitantes que experimenta como ressentimentos, culpa, ansiedade, frustrações. ( 3 )
Tal situação já era apontada por Myerson ( 1971 ), “ ao discutir problemas das pessoas com visão parcial, salientou que as suas dificuldades de ajustamento se devem à sua condição marginal (nem cegas, nem com visão). Mostrou que as crianças com visão parcial tendem a ser menos ajustadas do que as crianças cegas ou com visão.” (4 )
A experiência com crianças portadoras de VSN, no Instituto Benjamin Constant, tem nos apontado que a família é um dos aspectos mais importantes a ser considerado, principalmente por ser a primeira vivência sócio-afetiva dessas crianças e pelos fatores determinantes que influem em seu desenvolvimento e formação como indivíduos.
Ocorre que a família, por pertencer a um mundo objetivamente visual, não sabe como lidar com a criança de VSN. Para os familiares ela se torna um verdadeiro quebra-cabeça. Além disso, os pais, consciente ou inconscientemente, desejam que seus filhos pareçam “normais”. Desta forma, a criança com
VSN “protegida” ou “negligenciada” fica impedida de explorar, experimentar, testar suas capacidades e seus limites na aprendizagem visual, acarretando prejuízos em seu desenvolvimento global. (5 )
Educadores que atuam com crianças portadoras de VSN em fase pré-escolar no IBC, salientam que grande parte dessas crianças iniciam esta etapa escolar apresentando muitas dificuldades. As causas centram-se no fato de a família não ter tido a oportunidade de receber orientação adequada, onde os pais e a criança participassem de um programa de estimulação visual no período inicial do desenvolvimento entre 0 e 4 anos. Acrescentam ainda, que muitas famílias, apesar de receberem orientação adequada, continuaram a manter posturas indevidas, onde a superproteção conduzia a um relacionamento no qual a criança era tratada como “cega”.
Pelos aspectos apontados, a criança com VSN chega à pré-escola muitas vezes demonstrando:
-ausência de estimulação visual;
-restrição de experiências acarretando defasagens em seu desenvolvimento global;
-inconsciência de sua visão residual e de sua utilização de modo eficiente;
-desinteresse e falta de curiosidade na busca e exploração de estímulos visuais;
-interpretação deturpada de imagens visuais não muito claras.

As crianças portadoras de VSN merecem especial atenção, pois como a visão é uma função que requer aprendizagem, sua qualidade pode ser sensivelmente melhorada no período da primeira infância, através de orientação adequada e específica (Educação Visual).
Portanto a família deve ser devidamente orientada, despertando a consciência de que irá proporcionar uma melhora significativa na eficiência visual da criança, oferecendo-lhe: ( 6 )
- vivências variadas relacionadas ao lazer: jogos; passeios; televisão; esportes; etc...
- incentivo à participação nas atividades domésticas e de higiene pessoal: cortar as unhas; etc ...
- incentivo as atividades escolares proporcionando apoio e compreensão às suas reais possibilidades e limitações
- organização do ambiente físico doméstico de modo a facilitar uma locomoção segura e independente
- aceitação quanto ao recurso óptico ou não óptico prescrito, orientando a criança com VSN
quanto à utilização e cuidados específicos
A pré-escola é uma etapa extremamente enriquecedora no desenvolvimento de qualquer criança. Neste período dá-se muita ênfase à participação ativa dos pais em todo contexto educacional. É trabalho do educador conscientizar a família da criança portadora de VSN quanto à importância de um relacionamento familiar baseado no companheirismo e na aceitação de suas possibilidades e limitações, e do quanto tal conduta poderá acrescentar positivamente ao seu desenvolvimento global. ( 7 )

4. CARACTERÍSTICAS DO ALUNO DEFICIENTE VISUAL NA ÁREA DAS FUNÇÕES COGNITIVAS. (8)

- PROCESSOS PERCEPTUAIS : dificuldade para:
- localização espacial
- conhecimento das qualidades espaciais dos objetos

- PROCESSOS CONCEPTUAIS :
- prejuízo na formação de conceitos que necessitem da imagem visual

- ASPECTO INTELECTUAL: restrição na:
- extensão e variedades de experiências
- habilidades para usá-las
- controle do ambiente em relação a si mesmo.

- ASPECTO MOTOR :
- perda na justeza dos passos
- diminuição do equilíbrio
- deficiência dos reflexos de proteção


- ASPECTO VISO-MOTOR ( 9 ): dificuldade na realização de tarefas que envolvam:
- preensão ( movimento de pinça )
- encaixe ( enfiar, enroscar, abotoar, atar, perfurar, alinhar )
- superposição e colagem
- recorte ( livre, linhas, formas, gravuras )
- ligar pontos e labirintos
- cobrir traços e seguir linhas paralelamente
- copiar formas e ritmos gráficos

- AJUSTAMENTO PESSOAL E SOCIAL:
- dificuldade de ser compreendido em suas reais limitações
- restrição no aproveitamento de vivências sociais ( de lazer, esportivas, etc... ) por não captar detalhes dos ambientes sociais
- tensão emocional constante - medo de perder a visão residual ( influência familiar ).

II -FUNCIONAMENTO VISUAL
Segundo Natalie Barraga ( 1978 ), para maior clareza do processo de aprendizagem de crianças com VSN, devemos considerar a natureza de todo o sistema visual.

“ A aprendizagem visual é dependente, não apenas do olho mas também da capacidade do cérebro de realizar suas funções, de aprender qualquer informação vinda dos olhos, codificando, selecionando e organizando em imagens, e armazenando para associação com outras mensagens sensoriais ou para relembrar mais tarde.
A capacidade do funcionamento visual depende de desenvolvimento - quanto mais a criança olha, mais estimula os canais cerebrais.” (10)

É considerado por Marianne Frostig ( 1980 ) como percepção visual, “ a faculdade de reconhecer e discriminar os estímulos visuais e de interpretá-los, associando-os às experiências anteriores .” (12)
O desenvolvimento do potencial visual em crianças com VSN é raramente espontâneo e automático, sendo necessário que lhes oriente o processo de discriminação entre as formas, contornos, figuras e símbolos que nunca seriam trazidos à sua atenção. ( 12 )
A criança com VSN que nunca foi estimulada a“ olhar “, tem percepções visuais deturpadas. A busca contínua com o(s) olho(s) permite à criança concentrar-se em detalhes até então não percebidos, reduzindo o confuso efeito anterior, permitindo que ela adquira noções perceptuais reais, das variadas formas existentes no universo visual onde está inserida.(13)

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DE VIDA DIÁRIA NA EDUCAÇÃO E NA REABILITAÇÃO DE DEFICIENTES VISUAIS.

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DE VIDA DIÁRIA NA EDUCAÇÃO E NA REABILITAÇÃO DE DEFICIENTES VISUAIS.
ELISABETH FERREIRA DE JESUS



I- INTRODUÇÃO
Na educação da criança cega ou portadora de visão subnormal, cabe ressaltar a importância da Atividade de Vida Diária - AVD, cujo objetivo é proporcionar à criança condições para que, dentro de suas potencialidades, possa formar hábitos de auto-suficiência que lhe permitam participar ativamente do ambiente em que vive.

Ao nascer, a criança encontra-se num estado de dependência total, situação esta que, gradativamente, desaparece com seu crescimento, e, já na fase pré-escolar, começa a alimentar-se, vestir-se, ir ao banheiro sozinha e escovar os dentes sem necessitar de ajuda ou apenas com ajuda parcial.
Em relação à criança cega ou portadora de visão subnormal, como isso ocorre?
Como proporcionar-lhe a satisfação de necessidades tão fundamentais?
Quais os anseios e dificuldades experimentados pelos pais em tais circunstâncias?
Na educação da criança cega ou de visão subnormal destacamos a Atividade de Vida Diária - AVD - como área específica de atendimento, por julgarmos indispensável ao seu ajustamento social.

Se os hábitos à mesa, a postura, a adequação para se vestir e a higiene pessoal são comportamentos adaptativos, há necessidade de um treinamento intensivo, porque a criança cega pode apresentar atitudes inadequadas em algumas dessas situações. Sem dúvida, ela, no espaço maior ou menor de tempo, acabará por realizar as mesmas tarefas que as de visão normal, tomando-se em conta, é claro, as diferenças individuais e a restrita capacidade de imitação de quem não vê.
Muitos pais, diante das dificuldades de seus filhos, tornam-se superprotetores e, assim, impedem a criança de vivenciar experiências que contribuirão para a autonomia dela.
É de grande importância a realização de um trabalho com os pais, paralelamente ao que é feito com seus filhos, através de encontros e/ou reuniões, oportunizando-lhes a prática das Atividades de Vida Diária, com eles desenvolvidas na escola.
Enquanto professora nesta área, fiz com que os pais vivenciassem uma atividade de vida diária de olhos vendados, explicando-lhes sempre que tal circunstância não era, nem pretendia ser, representativa da cegueira, a fim de evitar que, pela associação desta com a escuridão total, desenvolvessem ou aumentassem o sentimento de piedade por seus próprios filhos.
A experiência foi proveitosa, pois eles sentiram e perceberam algumas dificuldades, medos e inseguranças de seus filhos cegos ou de visão subnormal e, assim, encontraram a melhor maneira de ajudá-los e orientá-los em casa, nunca impedindo de realizarem algumas atividades, mas, ao contrário, motivando-os sempre, contribuindo assim, cada vez mais, para sua independência e conscientizando-se de que, também, são elementos importantíssimos no processo de aprendizagem de seus filhos.

E a situação do indivíduo portador de deficiência visual adquirida na idade adulta?

Por vezes, a perda da visão é gradativa, dando condições a que o indivíduo, aos poucos, processe a sua readaptação. No entanto, não são raros os casos de cegueira súbita, por acidentes ou etiologias diversas.
Como tais pessoas nada sabem sobre a cegueira, não compreendem como possam continuar a viver no mundo que eles aprenderam a construir e entender através dos olhos.
A reabilitação dessas pessoas é um desafio para elas, familiares e educadores, no sentido do ajustamento à sua nova condição de vida, visando minimizar os efeitos psico-sociais causados pela perda visual.
II - ATIVIDADE DE VIDA DIÁRIA (AVD)

“Vestir meias é complicado, até para quem não tem problemas de coordenação. Mesmo que não pareça, o ato de vestir meias envolve uma série de passos. Porisso, a professora ajuda Lia, colocando a meia até o calcanhar. Só falta ela dar o último puxão. Na próxima vez, a professora coloca a meia no pé e Lia precisará puxá-la até o calcanhar e depois para cima. Mais um pouco e ela já conseguirá vestir meia sozinha.’’ (Windholz, 1988)

A criança só aprende aquilo que vive concretamente. É importante que ela faça suas próprias descobertas através da manipulação, exploração do ambiente físico-social. Para isso podem e devem ser exploradas situações referentes à alimentação, higiene pessoal, saúde, segurança, às atividades domésticas e ao vestuário.
Assim, através do treinamento em AVD, a criança cega e de visão subnormal aprende, entre outras coisas: localizar os alimentos no prato; cortar alimentos; controlar a quantidade de comida do prato, sem derramar; controlar a quantidade de comida no talher; servir-se à mesa; encher copos e garrafas; receber visitas; vestir-se adequadamente; cuidar de sua aparência pessoal; caminhar, sentar e gesticular de maneira adequada; prevenir-se contra acidentes e remediá-los.
II.1-ALGUMAS ATIVIDADES ESPECÍFICAS
II.1.1- ALIMENTAÇÃO:
-beber liquído com auxílio de canudos;
-ingerir alimentos pastosos (sopa, mingau);
-morder e mastigar biscoitos;
-mastigar pão;
-descascar e mastigar bananas;
-beber liquídos usando o copo;
-espetar com o garfo alimentos e levá-los
à boca;
-colocar em seu prato alimentos que estejam numa vasilha maior;
- usar a faca para passar manteiga (patê ou etc) no pão ou biscoito;
-alimentar-se usando garfo e faca;
-servir-se de líquidos contidos numa jarra ou garrafa;
-usar a faca para descascar e cortar frutas, legumes e pão;
-mastigar de boca fechada;
-usar o guardanapo para limpar a boca, após as refeições.
II.l.2- HIGIENE
-pedir para ir ao banheiro e usar o vaso sanitário (de modo adequado);
-limpar-se após o uso do vaso sanitário;
-lavar e enxugar as mãos usando água, sabonete e toalha;
-lavar e enxugar o rosto;
-escovar os dentes;
-pentear os cabelos;
-tomar banho;
-trocar diariamente as roupas de baixo;
-cortar as unhas regularmente, com auxílio;
-reconhecer as roupas que estão sujas e lavá-las.

II.l.3- VESTUÁRIO:
-brincar com bonecas despindo-as e vestindo-as;
-despir-se e vestir-se;
-desatar os cordões dos sapatos;
-tirar os sapatos e as meias;
-calçar meias e sapatos;
-identificar os seus sapatos entre vários outros pares;
-engraxar sapatos;
-manejar diversos tipos de botões ( em tamanhos grandes ) utilizados nas peças do vestuário;
-abrir e fechar ziper de casacos ou vestidos;
-abrir e fechar fivelas de seus próprios cintos;
-retirar e colocar blusas que entrem pelo decote, reconhecendo a parte de trás pela etiqueta que deve estar presa;
-guardar roupas em gavetas e
-colocar camisas, blusas e vestidos em cabides.
II.1.4 - SAÚDE E SEGURANÇA
-reconhecer a importância do médico e do dentista;
-reconhecer a importância dos exames de saúde e submeter-se a eles quando necessário;
-tomar adequadamente os remédios indicados;
-reconhecer alguns instrumentos médicos, como termômetro, balança etc;
-reconhecer e saber para que serve gaze, algodão, esparadrapo, tesoura, mercúrio cromo, água oxigenada etc;
-cuidar de pequenos arranhões ou ferimentos;
-organizar uma caixa de primeiros socorros;
-saber dizer o seu nome, endereço e telefone de sua casa;
-discar e falar ao telefone;
-atender sinal de chamado (campainha, telefone);
-subir e descer escadas com cuidado, segurando o corrimão;
-riscar fósforos para acender velas e fogões;
-saber utilizar o fogão em atividades simples, apagando-o convenientemente ao término da tarefa e
-ligar e desligar o rádio e a televisão.

II.1.5- ATIVIDADES DOMÉSTICAS
- tirar o pó dos móveis;
- varrer o chão;
- usar a pá de lixo;
- colocar o lixo na lixeira;
- passar pano molhado no chão;
- lavar o chão;
- usar o rodo;
- encerar o chão;
- limpar as mesas e as cadeiras;
- limpar e arrumar o armário;
- arrumar a cama;
- colocar fronha no travesseiro;
- lavar e passar roupas;
- tampar garrafas;
- preparar a mesa para as refeições;
- preparar pequenas refeições e
- fazer pequenas compras ( feiras e supermercados).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Apostila de Atividade de Vida Diária. Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro. Coordenação de Educação Especial. n. 5. 1985
2- JESUS, Elisabeth Ferreira. Atividade de Vida Diária. Apostila. Rio de Janeiro. 1994
3- WINDHOLF, Margarida Hofman. Passo a Passo, seu Caminho. São Paulo. EDICON. 1988


ELISABETH FERREIRA DE JESUS é professora e Coordenadora do Programa Educacional Alternativo - PREA- do Instituto Benjamin Constant

TEMA: EDUCAÇÃO INCLUSIVA

TEMA: EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Inclusão: a educação da pessoa com necessidades educativas especiais
– velhos e novos paradigmas Hildemar Veríssimo

RESUMO
O autor procura refletir sobre o tema Inclusão na perspectiva da educação, aliando às construções teóricas, depoimentos de experiências vivenciadas por professores de diferentes regiões do Brasil.
Introdução
Para essa reflexão recorri a algumas consultas (Sassaki, 1997; Glat, 1995; Carvalho, 1998; Skliar, 1997; Pereira, 1980; MEC, 1994; CORDE, 1994; Anais lII Congresso lbero-Americano de Educação Especial, 1998), para discutir um te¬ma atualmente presente na Educação que envolve conceitos/categorias como diversidade, deficiência, integração e inclusão. Segundo Sassaki (1997), “os conceitos são fundamentais para o entendimento das práticas sociais”, a inclusão, enquanto novo paradigma, alavanca a escola, que com novas implicações educa¬ti¬vas, deverá acolher todas as crianças independentemente de suas condições físicas, in¬te¬lectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e culturais. Segundo Blanco (1998), o desenvolvimento das escolas inclusivas implica modificações substanciais na prática educativa, desenvolvendo uma pedagogia centrada na criança e capaz de dar respostas às necessidades de todas as crianças, incluindo aquelas que apresentam uma incapacidade grave. Este é o princípio vetor da Declaração e Linha de Ação da Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais. (Salamanca, 1994)
Deste ponto de vista, o professor, na sua prá¬tica educacional tem relevância singular, uma vez que pela sua atividade docente, busca desenvolver no aluno o espírito crítico – reflexivo, ma¬xi¬mizar habilidades/competências (novos para¬digmas) e, “dominar a pesquisa, elabo¬¬rar projetos, questionar”, como pontua Pedro Demo, em recente entrevista (JB, 2000).
Avançando na discussão do papel da escola, da educação, e, sobretudo, da presença do professor, enquanto elo no processo ensino – aprendizagem, na direção de uma consciência de cidadania, a inclusão só terá êxito com seu total engajamento; pois “se o professor não é um incluído, como pode ajudar a promover a inclusão”? (Demo, 2000)
Bases teóricas
Para analisar melhor programas, propostas curriculares, serviços, políticas sociais e outros indicadores educacionais, é importante dominar conceitos da linha inclusivista, até porque tal conceito ético procura evoluir na direção de uma sociedade inclusiva.
Por que são chamados inclusivistas? Por que abrangem valores que contemplam a inclusão.
Em Inclusão/Construindo uma sociedade para todos, Sassaki (1997) ao trabalhar os principais conceitos pré-inclusivistas enuncia um modelo médico da deficiência, em que os diferentes são declarados doentes, são considerados dependentes do cuidado de outras pessoas, incapazes de trabalhar, isentos de deveres morais, levando vidas inúteis, como está evidenciado na palavra inválido. Segundo Westmacoft (1996), o modelo médico da deficiência “tenta melhorar as pessoas com deficiência para adequá-las aos padrões da sociedade”.
Integração é um processo espontâneo e subje¬tivo, que envolve direta e pessoalmente o relacionamento entre seres humanos (GIat, 1991). Se não levarmos em conta o aspecto psi¬cos¬social, corre-se o risco de sermos redu¬cionistas.
A Integração Social surgiu como oposição à prática da exclusão social, em seu sentido total, eram consideradas inválidas, inúteis e incapazes para trabalhar. Nas últimas décadas tem sido o tema mais discutido no Brasil.
A Integração Escolar é um processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas formas de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos. A integração educativo-escolar refere-se ao processo de educar – ensinar, no mesmo gru¬po, a crianças com e sem necessidades edu¬cativas especiais, durante uma parte ou na totalidade do tempo de permanência na escola. (MEC, 1994)
O próprio conceito de integração escolar já está sendo por muitos considerado ultrapassado, e, a proposta mais “moderna” nos países ditos de Primeiro Mundo é a da escola inclusiva, dentro do movimento pela inclusão total. (Inclusion International, 1996)
A Normalização, segundo o MEC (1994), é um “princípio que representa a base filosófico-ideológica da integração. Não se trata de normalizar as pessoas, mas sim o contexto em que se desenvolvem, ou seja, oferecer, aos portadores de necessidades especiais, modos e condições de vida diária o mais semelhante possível às formas e condições de vida do resto da sociedade”. Segundo Mantoan (1997b, p.120) “a normalização visa tornar acessíveis às pessoas socialmente desvalorizadas condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade”. Essa proposta de integração foi introduzida na Educação Especial por um grupo de profissionais da Escandinávia, na forma do chamado Principio da Normalização. (Wolfensberger, 1972)
Mainstreaming
O princípio de mainstreaming, termo que na maioria das vezes tem sido utilizado sem tradução, significa levar os alunos o mais possível para os serviços educacionais disponíveis na corrente principal da comunidade. Mainstreaming se refere à integração temporal, instrucional e social do excepcional elegível com crianças normais, de forma progressiva, baseada em estudos e avaliações individuais, requer aceitação e responsabilidade administrativa entre o sistema regular de ensino e educação especial (Pereira, 1980).
Tanto o princípio da normalização como o processo de mainstreaming foram importantes elementos na aquisição de conhecimentos e experiências de integração para o surgimento do paradigma da inclusão. (Sassaki, 1997)
Atualmente a prática da integração social dá-se de três formas, segundo Sassaki (1997):
1) Pela inserção das pessoas com deficiência que conseguem utilizar os espaços físicos e sociais, os programas e serviços, sem nenhuma modificação da sociedade (escola comum, empresa, clube etc.);
2) Pela inserção das pessoas portadoras de deficiência que necessitam de alguma adaptação específica no espaço físico comum, no procedimento da atividade comum, a fim de só então, estudar, trabalhar, ter lazer, conviver com pessoas não-deficientes; e,
3) Pela inserção de pessoas com deficiência em ambientes separados dentro dos sistemas gerais. Exemplo: escola especial junto à comunidade.
Em suma: no modelo integrativo, a sociedade aceita receber os portadores de deficiência desde que sejam capazes de:
 Moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial).
 Acompanhar os procedimentos tradicionais (trabalho, escolarização, convivência social etc.).
 Contornar obstáculos existentes no meio físico (espaço urbano, edifício).
 Lidar com atitudes discriminatórias da sociedade resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas: rotulagem verbal, discriminação, incapacidade e segregação (Amiralian, 1986).
 Desempenhar papéis sociais individuais com autonomia mas não necessariamente com independência.
Conceitos inclusivistas
Autonomia
É a condição de domínio do ambiente físico e social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade de quem a exerce. Daqui sai os conceitos de autonomia física e autonomia social. Exemplos: rampas nas calçadas, cadeira de rodas. O grau de autonomia resulta da relação entre o nível de prontidão físico-social do portador de deficiência e a realidade de um ambiente físico-social. (Sassaki, 1997)
Independência
Capacidade “de decidir sem depender de outras pessoas, tais como: membros da família ou profissionais especializados”. A pessoa deficiente pode ser mais independente ou menos independente, e isso vai depender da sua auto determinação e/ou prontidão para tomar decisões numa situação. Ambas podem ser aprendidas e/ou desenvolvidas.
Empowerment
“Processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente a sua condição” – por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor – para fazer esco¬¬lhas e tomar decisões. O poder pessoal está em cada ser humano. A sociedade não tem consciência de que o portador de deficiência também possui esse poder pessoal, e aí a sociedade faz escolhas e toma as decisões por ele.
Equiparação de oportunidades
A Disabled Peoples lnternational, uma organização criada por pessoas portadoras de defi¬ciên¬cia, não-governamental e sem fins lucrativos aprovou a sua Declaração de Princípios, em 1951. “Processo através do qual os sistemas gerais da sociedade – tais como o ambiente físico e cultural, a habitação e os transportes, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades educacionais e de trabalho, a vida cultural e social, incluindo as instalações esportivas e recreativas – são feitos acessíveis para todos.” (United Nations, 1983, 12)
Inclusão Social
Processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. Trata-se de um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam equa¬cionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.
Para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada a partir da compreensão de que é ela que precisa ser capaz de atender às necessidades de seus membros.
A prática da inclusão social repousa nos seguintes princípios:
 aceitação das diferenças individuais;
 valorização de cada pessoa;
 a convivência dentro da diversidade humana;
 a aprendizagem através da cooperação.
Da integração à inclusão
Neste final de século, estamos vivendo um estágio de transição entre a integração e a inclusão.
Os dois termos são falados e escritos com diversos sentidos. Os conceitos de integração e inclusão na moderna terminologia de inclusão social.
 Integração – inserção da pessoa deficiente preparada para conviver na sociedade.
 Inclusão – modificação da sociedade como pré-requisito para a pessoa com necessidades especiais desenvolver-se e exercer a cidadania.
Modelo social da deficiência
Aqui a sociedade é que cria os problemas para as pessoas portadoras de necessidades especiais. Desse modo, à sociedade cabe eliminar todas as barreiras físicas, programáticas e de atitudes para que as pessoas deficientes possam ter acesso aos lugares, serviços e a bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional. Este modelo social da deficiência focaliza os ambientes e barreiras incapacitantes da sociedade e não as pessoas deficientes.
Uma comunicação de uma experiência internacional – Rosa Blanco – UNESCO/Santiago (1998)
Condições que facilitam a prática educativa em escolas inclusivas
 Atitudes positivas e favoráveis e acordo con¬sensuado de toda a comunidade educativa. A condição mais importante para que a inclusão educativa e social seja possível é que a sociedade em geral e a comunidade educativa aceite a diversidade como um elemento en¬ri¬que¬cedor do desenvolvimento pessoal e da prática educativa.
 Legislação clara e precisa e planos de ação de educação para que todos promovam o desenvolvimento de escolas inclusivas.
 Projetos educativos institucionais que contemplam a diversidade como um eixo central em torno das decisões. A resposta à diversidade, como todo processo de inova¬ção, afeta a globalidade do centro e implica ques¬tionar a prática educativa tradicional e introduzir mudanças substanciais na mesma. Trata-se de um projeto da escola e não de professores isolados.
 Trabalho de colaboração entre todos os envolvidos no processo educativo. As escolas em que existe um bom nível de colaboração e de ajuda mútua, contribuem de maneira mais eficaz para o desenvolvimento dos alunos e são as que mais crescem como instituição.
 Currículo flexível, amplo e equilibrado e meios de acesso ao mesmo. O currículo comum com as adaptações necessárias há de ser a referência para a educação de todos os alunos.
 Estilo de ensino flexível. Os estilos de ensino que partem das necessidades, conhecimentos e interesses dos alunos, que utiliza a diversidade de estratégias meto¬do¬lógicas e procedimentos de avaliação facilitam a resposta à diversidade. Os professores têm que conhecer bem a todos os seus alunos e organizar experiências de aprendizagem nas quais todos possam participar e progredir na medida de suas possibilidades.
 Recursos de apoio humano e materiais. É indispensável contar com uma série de apoios e reforços de caráter especializado que possam conjuntamente com o professor de educação regular atender às necessidades das escolas.
 Formação adequada de todos os envolvidos no processo educativo. Todos os professores deveriam ter conhecimentos básicos sobre a forma de organizar o currículo e o ensino para responder às necessidades de todos os alunos. Uma estratégia que se tem mostrado eficaz é a formação centrada na escola como globalidade em função do seu projeto, problemática e necessidades concretas.
Para fins de reflexão a respeito do tema inclusão, que envolve a sociedade e as pessoas com necessidades especiais, que inclui, os deficientes visuais, e as necessárias mudanças na formulação de projetos pedagógicos, convém considerar:
Uma modificação estrutural do sistema educacional brasileiro (Glat, 1998), que envolve uma análise séria e profunda do caráter político-ideológico deste sistema e sua influência na formulação dos quadros dos profissionais da educação e da saúde (grifo do autor).
 Desenvolver estudos e pesquisa, comunicar experiências sobre “inclusão” para se ter clareza de sua implementação no diversificado contexto da realidade sóciohistórica¬cultural brasileira.
 Comunicações nacionais
A seguir, depoimentos de professores e profissionais de educação que realizaram curso de especialização para professores na área da deficiência da visão (1999) no Instituto Benjamin Constant com respeito às suas expe¬riências e vivências com a Inclusão em suas respectivas comunidades.
... “Em Porto Alegre, a cidade em que mora existe o Instituto Santa Luzia que recebe alunos não deficientes em seu ensino regular. A experiência está sendo muito bem sucedida com integração dois alunos e da comunidade. Com relação às escolas e professores creio ser possível a inclusão, desde que haja nas escolas um plano político-pedagógico de inclusão, oferecendo os recursos necessários – materiais e humanos – para que a inclusão seja de forma efetiva e integral”. (Rosalina dos Passos, Porto Alegre)
...”Conforme determina a Lei no. 9394/96, a educação do indígena já é uma realidade na 39ª DE de Carazinho (como também em outras Delegacias de Educação) que abrange dezenove municípios, com habilitação de professores e criação de escolas de língua caigangue. Qualificação profissional – são realizados cursos profissio¬nalizantes em parceria com Universidades tendo como prioridade nos critérios de seleção ser deficiente, desempregado, negro, indígena, mulher, objetivando habilitar justamente os excluídos. Vejo a inclusão como uma conquista das sociedades, quando estas buscam o crescimento humano. (Marina Subtil, Carazinho/RS)
CARVALHO, R. E. A nova LDB e a educação Especial, Rio de Janeiro: WVA, 1997.
5. DEMO, P. Ironias da educação: mudança e contos sobre mudança. DP & Editora, 2000.
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11. SASSAKI, K. R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

ADOLESCER - A VIVENCIA DE PORTADORES DE DEFICIENCIA VISUAL

ADOLESCER: A VIVÊNCIA DE PORTADORES
DE DEFICIÊNCIA VISUAL
Patrícia Lopes Salzedas; Maria Alves de Toledo Bruns

Resumo
A adolescência caracteriza-se por transformações corporais e psicológicas, além de compromissos pessoais e ocupacionais, sexuais e ideológicos assumidos para com a sociedade. O objetivo do presente estudo foi compreender como é estar na adolescência para portadores de deficiência visual. Entrevistaram-se 7 adolescentes portadores de deficiência visual, com idade entre 13 e 21 anos, dos quais cinco são do sexo feminino e dois do sexo masculino, de uma escola pública do interior paulista. Para a análise dos depoimentos utilizou-se a metodologia qualitativa fenomenológica. A compreensão dos discursos baseou-se na relação dialógica descrita por Martin Buber, que aponta duas possibilidades do ser humano revelar-se no mundo: a relação EU-TU (encontro genuíno com o outro, baseado na reciprocidade) e o relacionamento EU-ISSO (contato superficial). Pelos resultados obtidos nesta pesquisa, verificou-se uma pobreza qualitativa relativa às experiências vividas e compartilhadas com o outro, e uma maneira de relacionamento predominante pautada na categoria EU-ISSO. Constatou-se, igualmente, uma vivência permeada por preconceitos e tabus, em que o diálogo entre pais e filhos, em especial sobre a sexualidade, é escasso, revelando o fato dos pais não reconhecerem a sexualidade dos filhos deficientes. A escola aparece desempenhando um papel fundamental na integração social destes jovens e como mediadora das relações entre o portador de deficiência e sua família. Conclui-se que a escola poderia, portanto, possibilitar a conquista de um lugar produtivo para estes jovens na sociedade, e promover a mobilização das pessoas para que possam “ver” o portador de deficiência visual sem reduzi-lo à cegueira, ou seja, viabilizando uma relação com o ser total, a qual se define no EU-TU.
Unitermos: adolescência; deficiência visual; sexualidade; contexto escolar; fenomenologia.


Abstract

Adolescence is characterized by bodily and psychological transformations, besides personal, occupational, sexual and ideological commitments towards society. The purpose of this study is to understand what it is to be a teenager for a visually impaired person. Seven youngsters with visual impairment, with ages from 13 to 21 years, five females and two males, all of them from a public school in the interior of São Paulo state, have been interviewed. The qualitative phenomenological methodology has been used for the analysis of the answers given. The comprehension of the speeches has been based on the dialogical relation described by Martin Buber, who considers two possibilities for the human being to reveal himself/herself in the world: the relationship I-You (a genuine encounter with the other, based on reciprocity) and the relationship I-That (a superficial contact). From the results presented here, it was observed a qualitative scarcity relatively to the experiences lived and shared with the other, as well as a way relating predominantly centered on the I-That category. It was also noted a living permeated with prejudices and taboos, with little communication between parents and children, especially concerning sexuality, revealing the fact that they don’t recognize their handicapped children’s sexuality. School stands to play a fundamental role in the social integration of these youngsters, as it is a mediator in the relationship between the disabled person and his/her family. Therefore, it is conclusive that school could make it possible for these youngsters to achieve a productive position in society, by mobilizing people, so that they can “see” the visually impaired person without simply reducing him/her to blindness, that is, making a relationship with the total being viable, witch is defined in the I-You.
Uniterms: Adolescence; visual impairment; sexuality; school context; phenomenology.



Introdução

A adolescência como um conceito culturalmente construído difere de uma cultura para outra. Benedict compara a cultura ocidental a algumas sociedades primitivas, como a dos papago, no Arizona, nas quais a criança é “continuamente condicionada à participação social responsável, ao passo que, ao mesmo tempo, as tarefas que dela se esperam são adaptadas à sua capacidade” (Benedict, 1965:57).
Na sociedade ocidental, a criança é vista, freqüentemente, como um ser assexuado e frágil, devendo ser protegida das adversidades da vida, além de ser obediente ao adulto, cabendo a este o enfrentamento das dificuldades. Assim, o papel desempenhado pela criança contrasta com o desejado para um adulto, o que caracteriza o que Benedict (1965) denomina de ‘descontinuidade’, ou seja, uma necessidade de reorganização do comportamento na passagem da infância para a maturidade. Assim, mais do que necessidades fisiológicas, cada cultura cria padrões que consideram os fatos biológicos inerentes ao ser humano (diferença entre os sexos, vulnerabilidade na infância) e concebe formas particulares de como este período será vivenciado. Para a sociedade ocidental, em geral, a adolescência é concebida como um período de quebra, de rompimento de um estado de dependência para uma situação de maior autonomia financeira e afetiva em relação às figuras parentais.
Gallatin (1978) realizou um estudo conceitual sobre o desenvolvimento do adolescente, aglutinando as abordagens teóricas mais significativas sobre o assunto. No referencial psicanalítico, a autora cita Freud, que afirma que a criança apresenta conflitos sexuais no desenvolvimento dos seis primeiros anos de vida, conflitos esses que findam com a resolução do Complexo de Édipo, que é o desejo da criança pela posse exclusiva da figura parental de sexo oposto ao seu, no triângulo familiar que inclui a figura parental do mesmo sexo – o que é chamado de sexualidade infantil.
Após esta fase, ocorre um período de latência que se estende até aos doze anos, aproximadamente, em que a criança desenvolve o superego, ou um conjunto de padrões morais, e a sexualidade fica temporariamente inibida. Nos anos seguintes, os conflitos sexuais que estavam latentes voltam a ser vividos pelo jovem, em razão das mudanças hormonais e fisiológicas. Após a superação deste período de inquietação, o jovem tem a possibilidade de vivenciar sua sexualidade de forma madura (Freud, apud Gallatin, 1978).
Ainda no referencial psicanalítico, Erik Erikson fala em três dimensões do desenvolvimento da personalidade humana: a dimensão biológica, guiada por algum tipo de mecanismo inato; a social, que acontece nas relações interpessoais desde o nascer; e a dimensão individual referindo-se à singularidade de cada indivíduo dentro do contexto social. O autor fala em “oito idades do homem”, nas quais há oito momentos de crise essenciais para o desenvolvimento normal da personalidade. Nestes momentos de crise, ligados a conflitos humanos a serem resolvidos do nascimento até a morte, é questionado um valor moral (Erikson, apud Gallatin, 1978).
Para Erikson, na adolescência, o conflito é de identidade, havendo um processo de reflexão imprescindível para viabilizar as fases seguintes de desenvolvimento. É a oportunidade de rever o que já ocorreu na infância e hipotetizar o futuro, a vida adulta, adquirindo, seletiva e gradualmente, uma série específica de compromissos pessoais, ocupacionais, sexuais e ideológicos para com a sociedade em que se insere. Este período é visto como uma moratória, no qual o jovem passa por uma fase de questionamento e reflexão, e sofre mudanças fisiológicas.
Para Bock, Furtado & Teixeira (1993), a adolescência caracteriza-se pela aquisição de conhecimentos necessários ao ingresso do jovem no mundo do trabalho, e de conhecimentos e valores para que constitua a própria família, estando o início e o término da adolescência intimamente ligados ao contexto social em que se insere.
Aberastury & Knobel (1981), no referencial psicanalítico, abordam a ambivalência e a resistência dos pais em aceitar o processo de crescimento do filho. Os adolescentes e seus pais experimentam um luto: o filho sente as mudanças corporais incontroláveis e a “morte” (simbólica) dos pais da infância. Assim, os pais têm, agora, que aceitar o crescimento do jovem, o que implica em estabelecer uma nova relação com ele, de adulto para adulto, e reconhecer seu próprio processo de maturidade e envelhecimento.
Em relação à sexualidade, Chauí (1984:15) a define como forma de energia vital que acompanha toda a existência humana e sendo composta por “uma série de excitações e atividades, presentes desde a infância, que proporcionam prazer irredutível a alguma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, excreção), e presente como componente na forma normal do amor sexual”. Deste modo, a sexualidade inclui uma energia manifesta não apenas de acordo com as necessidades fisiológicas do homem, mas também tendo vinculação com o simbólico e, por conseguinte, com o aspecto histórico e cultural de cada sociedade. Então, quando se pensa no adolescente que adquire o “status” de ser sexuado, devido às mudanças biológicas e hormonais que caracterizam este período, pensa-se também em sua forma de expressão da sexualidade, tendo como pano de fundo um mundo “visual”, em que o culto ao corpo faz com que se proliferem academias e, a cada dia novas técnicas médicas na cirurgia plástica surjam para aproximar as pessoas insatisfeitas com sua imagem refletida no espelho do padrão ideal de beleza veiculado pela mídia. Experienciando um período caracterizado pela busca de identidade e auto-afirmação social, o jovem busca se engajar nos modelos vigentes (de beleza estética, por exemplo) já que se encontra numa fase em que sua própria sexualidade precisa ser afirmada.
Em estudo realizado sobre gravidez na adolescência, com mães na faixa etária variando entre 15 a 21 anos, a sexualidade aparece, por um lado, vinculada à repressão sexual, e, por outro, à prática do sexo sem orientação sexual de familiares, em razão da falta de um diálogo que implicaria falar sobre prazer, AIDS e preservativos, realidades concretas que são silenciadas em nome do pudor e da repressão, e que podem acarretar conseqüências como a gravidez indesejada na adolescência e a contaminação pelo HIV, ou outras doenças sexualmente transmissíveis. Estas situações podem levar a desfechos como o aborto, ou até mesmo à morte. No entanto, no meio familiar, pouco se enfrentam tais situações pelo diálogo, pela educação sexual, e a conseqüente lição do “sexo seguro” (Trindade & Bruns, 1995:58-59).
Segundo estimativa da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o número de abortos feitos no Brasil, na faixa etária de 10 a 20 anos, já soma mais de um milhão ao ano e a taxa de fecundidade neste grupo etário tem apresentado aumentos significativos ao passo que “a taxa geral de fecundidade no Brasil vem diminuindo de 6 filhos por mulher em idade fértil em 1960, para 3,5 filhos em 1990”: o IBGE aponta que 20% das crianças nascidas no Brasil são filhos de adolescentes (apud Milet & Marconi, 1993:209).
Em trabalho desenvolvido para adolescentes e junto a eles, numa ação educativa em educação sexual, Milet & Marconi (1993:212) descrevem os “nossos adolescentes, procurando uma identidade e uma ideologia que ainda não têm, precisando compartilhar suas conquistas e dificuldades...”
Até este ponto se discorreu sobre o que pode ocorrer no desenvolvimento de um adolescente dito “normal”. E onde se encontram os adolescentes que não se enquadram nos padrões veiculados pela mídia, ou descritos pelas teorias que tratam sobre adolescência? Segundo Goffman (1988:11-12), “a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias”. O autor afirma que, dentro de uma rotina de relações sociais, quando um estranho nos é apresentado “os primeiros aspectos percebidos nos permitem prever a sua categoria, e os seus atributos, a sua ‘identidade social’” e, com base nisso, as preconcepções a respeito do outro são convertidas em expectativas normativas do que o outro seja, e passam a constituir exigências que são feitas sem, muitas vezes, se perceber.
A pessoa portadora de deficiência, de forma geral, sente-se marginalizada, no âmbito social, sob dois aspectos: por leis que supostamente a protegem, mas a rotulam de frágil e inferior; e pelo fato de ser desrespeitada por indivíduos que não compartilham das necessidades do deficiente na medida em que tais necessidades não são as suas.
No contexto familiar, a pessoa deficiente muitas vezes é tratada como um ser inferiorizado, incapaz de executar qualquer atividade, ou decidir por si mesma, havendo uma subestimação de potencialidades e capacidades, o que faz que a aquisição da identidade social seja mais tardia do que ocorre com o indivíduo são. Goffman (1988:15) relata que, com base em uma ‘imperfeição original’ (a incapacidade real) há uma tendência a se inferir uma série de outras ‘imperfeições’, sendo freqüente observar, por exemplo, alguém tratando um deficiente visual como se fosse surdo, falando alto com ele, ou, ainda, como se fosse aleijado, tentando levantá-lo.
As mudanças fisiológicas, a sexualidade, a família, a sociedade e a deficiência visual, contextualizando a adolescência, são fatores constitutivos do processo de crescimento pessoal e profissional na busca da identidade, da autonomia e da independência. E é sob a influência desses diversos fatores que se encontra o adolescente entrevistado deste estudo. Se já é complexo o processo de desenvolvimento que a criança, dentro dos padrões de normalidade, experiência para atingir a maturidade, como se dará a vivência do adolescente deficiente visual?
Vash (1988), discorrendo sobre a sexualidade e intimidade de deficientes, ressalta que o impulso sexual não desaparece com a deficiência. Na realidade, às vezes se torna mais intenso. E, numa sociedade na qual a preocupação com a estética está associada a ambos os sexos e esse fato reflete-se na vivência da sexualidade, num contexto de estimulação visual, em que a visão é muito solicitada em relação aos outros sentidos, indaga-se, como o adolescente deficiente visual vivencia a sexualidade? Como vivencia a adolescência?
Em um estudo de levantamento de informações e opiniões sobre a sexualidade de adolescentes cegos congênitos, Foreman (1989:101) ressalta que:
“mais do que as limitações impostas pela cegueira,
as concepções sociais advindas dela (segregação, rejeição ou superproteção por parte da sociedade como um todo) influenciam a atitude do deficiente visual frente a sua sexualidade, provocando um
atraso no desenvolvimento da própria identidade
e identidade social, quando comparados com os
jovens de sua idade”.
Em um estudo realizado com mulheres com visão, mães de deficientes visuais, Bruns (1998) constatou que a desinformação e a repressão sexual permeiam a orientação sexual oferecida pelas mães aos filhos, demonstrando a dificuldade de o vidente lidar com o não-vidente, reforçando um estigma que marca esse deficiente como incapaz, inválido e, por vezes, assexuado.
De acordo com Scholl (1967:13) em relação à deficiência visual e seus efeitos, é preciso primeiramente distinguir o conceito entre incapacidade e deficiência. Segundo este autor, uma incapacidade é uma condição física ou mental que pode ser descrita segundo termos médicos, ao passo que uma deficiência é o resultado dos obstáculos que a incapacidade interpõe entre o indivíduo, o seu meio e o seu potencial máximo. Assim, nem toda incapacidade é acompanhada de uma deficiência. No caso de uma pessoa cega, se esta vivesse num ambiente não-visual, a sua falta de visão não lhe causaria obstáculos, embora ela fosse portadora de uma incapacidade. Por estes conceitos estarem misturados no senso comum, muitas vezes, as pessoas ao redor do deficiente visual acentuam ainda mais sua incapacidade, em vez de expor suas reais capacidades.
Então, quando pais, professores e companheiros compadecidos com as dificuldades que enfrenta o deficiente visual, não permitem que ele faça por si mesmo aquilo que é capaz de fazer, estão dificultando que a pessoa cega descubra e utilize suas capacidades. Dessa prática decorre uma das maiores dificuldades que o deficiente tem que enfrentar: o preconceito. Não é raro notar que muitas pessoas ao se relacionarem com deficientes visuais não os tratam apenas como cegos e lhes atribuem, inadvertidamente, outras deficiências: a auditiva e o retardo mental, por exemplo.
Estudos sobre o desempenho intelectual de crianças deficientes visuais demonstraram que a presença da deficiência não implica prejuízo da inteligência. Grupos de crianças deficientes visuais obtiveram um nível médio de QI nos testes. Entretanto, Scholl (1967) salienta que a perda de visão causa déficits como: 1) alguma restrição quanto à variedade e profundidade de certas experiências cognitivas, pois o mundo dos objetos somente é percebido se for pequeno ou próximo; 2) alguma limitação de experiência devido ao fato da mobilidade ser restrita. Este autor ressalta ainda que a variedade de experiências depende da criança ter nascido cega ou ter adquirido a deficiência visual repentinamente ou gradualmente.
As crianças cegas precisam saber tanto quanto lhes for permitido sobre objetos comuns; têm de tocar e usar os objetos, e simultaneamente ouvir os seus nomes para compreenderem melhor a relação entre objetos e conceitos. Baseado nestas considerações, percebe-se a necessidade de estimulação planejada para o desenvolvimento adequado das habilidades do deficiente visual, bem como a importância de a criança, precocemente, entrar em contato com o mundo ao seu redor, não enfatizando apenas a incapacidade visual, mas as habilidades que podem ser desenvolvidas. As capacidades de ouvir, relacionar e lembrar precisam ser desenvolvidas ao máximo.
Um fator fundamental quando se discorre sobre educação para deficientes visuais é a necessidade de se iniciar o trabalho com a criança desde cedo, pois o período de vida que vai dos zero aos cinco anos é de grande importância para o seu desenvolvimento posterior. É um período no qual, em geral, as crianças absorvem muitas informações do ambiente, o que será muito relevante para o seu crescimento e a continuidade de sua aprendizagem. Portanto, a interação eficaz entre pais e filhos constitui experiência enriquecedora para a criança. A vivência afetiva é de grande importância, e há autores, como Barraga, apud Kirk & Gallangher (1987) que consideram serem as crianças portadoras de deficiência visual as que mais necessitam das experiências de trocas amorosas por meio do toque, uma vez que as crianças ditas “normais” têm também a visão para estabelecer vínculo com os outros, com o ambiente, ao passo que as deficientes visuais necessitam dessas experiências mais concretas, por intermédio do contato pessoal.
De acordo com Kirk & Gallangher (1987), há habilidades especiais que as crianças cegas e as com visão reduzida precisam desenvolver como forma de atenuar seus problemas espaciais e de comunicação; as escolas e o ensino em geral devem ser capazes de adaptações para promoverem o desenvolvimento de tais habilidades. Essas habilidades são: o aprendizado do método Braille, o sistema de leitura por intermédio do tato, a “chave” que abre as “portas” para a comunicação com o mundo dos que têm visão; a datilografia, outra habilidade importante para a pessoa portadora de deficiência visual, pois constituem exceções as pessoas com visão que conhecem o Braille, sendo fundamental para a autonomia da criança pois, desta forma, ela poderá se comunicar livremente com os outros sem necessitar da ajuda por inteiro de outras pessoas. O domínio do ambiente também é uma habilidade fundamental na educação de uma criança deficiente visual, pois envolve sua independência física e social, o que, especialmente na adolescência, tem um significado especial no relacionamento com os outros, na segurança e no bem estar, na independência e no respeito.
Um último fator no ensino da criança deficiente visual é o significado que a escola tem em sua vida. Para toda criança, a escola tem um sentido básico, formador. É o lugar propício para que as habilidades e os potenciais da criança sejam desenvolvidos com objetivos amplos, visando mais do que resultados imediatos, vislumbrar uma perspectiva de vida futura com maior independência.
Pensando no adolescente portador de deficiência visual e na forma como ele está vivenciando este período da vida, foi formulada a questão norteadora deste trabalho: “COMO É PARA VOCÊ ESTAR ADOLESCENDO?” ou, “Como você se sente em relação às pessoas, ou seja, quanto às amizades, aos familiares, aos namorados, às paqueras, ao âmbito escolar e para consigo mesmo?” Estas são questões que permeiam o desvelar do fenômeno ADOLESCER.


Acesso aos entrevistados

O contato com os entrevistados foi feito por intermédio de uma escola pública de uma cidade do interior de São Paulo, receptora de alunos portadores de deficiência visual. Esta escola possui sala de recursos para DV (deficiente visual) e profissionais especializados nesta área.
Para viabilizar as entrevistas, num primeiro momento de contato com os entrevistados, foram realizados quatro encontros com duas horas de duração, no intuito de fortalecer o vínculo dos adolescentes com a entrevistadora e sensibilizá-los para a realização de uma entrevista individual, despertando-os para temáticas relacionadas à vida diária. De acordo com Milet & Marconi (1993:222-223), o tema a ser trabalhado no grupo pode ser previamente estipulado, trazido pelo adulto-orientador, tornando-se indispensável um processo de sensibilização, pelo qual se estimulem os adolescentes a responderem intensa e criativamente à questão apresentada. Assim sendo, o trabalho só deve ser iniciado após a aplicação de técnicas e dinâmicas que direcionem o grupo para um objetivo comum.


Caracterização dos entrevistados

Foram entrevistados 7 adolescentes portadores de deficiência visual de variadas etiologias, dos quais 5 do sexo feminino e dois do sexo masculino, na faixa etária entre 13 e 21 anos. Para verificação da camada social dos entrevistados, foram utilizados os dados de classificação de LPM e Marplan, 1991 (Tabela 1).

TABELA 1
Idade Sexo Escolaridade Classe social
Etiologia da deficiência visual
Entrevistada 1 18 anos Fem Magistério B Glaucoma
Entrevistada 2 15 anos Fem. 8ª série B Glaucoma congênito
Entrevistada 3 13 anos Fem. 5ª série C Nasceu com catarata, depois teve glaucoma
Entrevistada 4 21 anos Fem. 2º colegial B Glaucoma congênito
Entrevistada 5 15 anos Fem. 8ª série B Oxigenação excessiva na incubadora
Entrevistado 6 15 anos Masc. Alfabetização D Disfunção no nervo óptico
Entrevistado 7 15 anos Masc. 3ª série C Não soube informar



Trajetória fenomenológica

Nesta pesquisa, que busca compreender como se processa a vivência da adolescência do portador de deficiência visual, optou-se pela utilização da metodologia qualitativa fenomenológica, também usada por estudiosos como Bruns (1992), Trindade (1997) entre outros.
Husserl fundamenta a fenomenologia no Princípio da Intencionalidade, segundo o qual a consciência volta-se sempre para algo. O objeto, portanto, só pode ser definido em sua relação à consciência de um determinado sujeito.
A análise intencional conduz à redução fenomenológica que consiste em ‘suspender’ ou, ‘colocar entre parênteses’ a realidade, tal como o senso comum a concebe, ao que se denomina atitude natural; e conceber, a posteriori, o mundo como fenômeno, isto é, adotando uma atitude fenomenológica em relação ao objeto. Assim, a tarefa do fenomenólogo consiste em analisar as vivências intencionais da consciência para perceber o sentido e o significado que, neste caso, os entrevistados atribuem à vivência da adolescência.
Segundo Martins & Bicudo (1989) e Martins (1992), a análise fenomenológica é constituída dos seguintes passos: a descrição, que permite o acesso à compreensão do modo como o adolescente se relaciona; a redução fenomenológica que tem por objetivo possibilitar o reconhecimento dos momentos do discurso do sujeito que são considerados significativos e aqueles que não são (o resultado é um conjunto de asserções significativas para o pesquisador e que apontam para a experiência do sujeito) e a compreensão fenomenológica que envolve uma interpretação apontando para convergências e/ou divergências entre as unidades de significado. A síntese e a integração dos insights dessas unidades permitem a compreensão e o alcance do fenômeno em questão.
No momento de acesso aos entrevistados, para a obtenção dos depoimentos, foram realizados quatro encontros, segundo a “Metodologia participativa na criação de material educativo com adolescentes” (Milet & Marconi, 1993), utilizada após algumas adaptações para o grupo de adolescentes portadores de deficiência visual e de acordo com os objetivos do trabalho deste grupo. Como já foi dito, com um número previamente estabelecido de sessões, os encontros tinham por objetivo reforçar o vínculo da pesquisadora com os entrevistados em potencial, e por intermédio de vivências compartilhadas, estabelecer um conhecimento recíproco de pesquisadora-adolescentes e adolescentes-pesquisadora. “O adulto-orientador, no trabalho com adolescentes, tem que identificar o seu desejo de sentir, pensar e criar em parceria com eles, porque, só assim, na mesma situação diante do novo, o que se busca junto acontece de fato” (Milet & Marconi, 1993:217).
A análise compreensiva dos depoimentos obtidos baseia-se na compreensão da relação dialógica de Martin Buber (1878-1965). Na perspectiva deste filósofo, o “conteúdo vivido da experiência humana, em todas as suas manifestações, vale mais que qualquer sistematização conceitual” (Buber apud Von Zuben, 1977:XXI). Buber acrescenta ainda que “o projeto da filosofia é explicitar a concretude vivida da existência humana a partir do próprio interior da vida” (Buber apud Von Zuben, 1977:XXVIII).
Dentro deste enfoque existencialista, o indivíduo realmente consciente busca alcançar a auto-realização, por meio de escolhas e decisões responsáveis.
O par EU-TU é para Buber uma ontologia da relação. A palavra tem o sentido de portadora de ser, por meio da qual o homem se introduz na existência. “A palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e atualizadora do ser do homem. Ela é um ato do homem através do qual ele se faz homem e se situa no mundo com os outros” (Buber apud Von Zuben, 1977: XLI). Martin Buber destaca duas possibilidades de o EU revelar-se no mundo: a relação EU-TU e o relacionamento EU-ISSO. O TU é primordial e, conseqüentemente, o ISSO é posterior ao TU. “No princípio é a relação”, diz Buber. O encontro com o TU não se dá de forma premeditada: acontece não por procura do indivíduo. No entanto, só há a possibilidade de ocorrer se houver um esforço da procura do EU pelo encontro e, além disso, para que este aconteça, deve existir uma autonomia do EU que possibilite o estar genuíno com o outro (TU).

“Se o homem não pode viver sem o ISSO, não se pode esquecer que aquele que vive só com o ISSO não é um homem.” (Buber apud Von Zuben, 1977:LIV)

Com base nessas duas palavras-princípio, ou possibilidades de atitudes do ser humano em face de seu mundo-vida, o EU-TU e o EU-ISSO, é que se buscou detectar no discurso dos adolescentes entrevistados a maneira como estão eles vivenciando o fenômeno “ADOLESCER”. Assim, a análise das unidades de significado, na perspectiva dos entrevistados, que abrange os temas “O contexto familiar”, “O namoro”, “As relações afetivo-sexuais”, “O universo escolar” e “O
preconceito” possibilitará ao leitor compreender o ser adolescente deficiente visual.

Em direção à análise compreensiva do fenômeno adolescer

O contexto familiar

Entr. 1: Na minha família todo mundo me ajuda, né,... mais minha mãe, meu pai, mais minha mãe... os parente ninguém liga também, minha mãe fala, ‘todo mundo tinha que aprender o Braille prá poder transcrever as lição’, meu pai não aprendeu, minha irmã sabe, às vezes ela transcreve...
Entr. 4: Ah! A vivência com eles é muito difícil, né? Eu sinto que eles não procuram diminuir essa dificuldade. Eles não me ajudam na escola, não participam, né? ...a partir do momento que você não tem o apoio da sua família fica difícil, né?...Eu acho que tem que começar dentro de casa porque se você não tiver ajuda da sua própria família, dificilmente a sociedade vai te aceitar, né?...tem de ser muito forte daí,... eu também sei que não sou uma pessoa muito fácil, né?... mas eu acho que ninguém é, né?...
O contexto familiar aparece no discurso dos adolescentes, ora como um espaço de apoio, nos momentos de dúvidas relacionadas aos trabalhos escolares, ora como uma vivência marcada pelo sentimento de incompreensão dos familiares diante das necessidades/expectativas do adolescente deficiente visual. Na unidade de significado da entrevistada 1, observam-se momentos que caracterizam a relação EU-TU, havendo disponibilidade de familiares em participar de vivências do adolescente e partilhá-las, existindo igualmente reciprocidade do adolescente DV, que está aberto para este encontro com o outro. Já para a entrevistada 4, o contato com os familiares é descrito como difícil e, a seu ver, é o outro (o familiar) que ‘é ruim’, ‘tem bastante dificuldade prá lidar comigo’. Constata-se, aqui, um distanciamento da entrevistada em relação aos familiares. São atribuídos valores aos comportamentos dos familiares, caracterizando-se uma relação EU-ISSO em relação à jovem.
O silêncio e as falas confusas, além dos parcos recursos para analisar criticamente (ou realisticamente) sua própria situação, apontam para a idealização destes garotos no que diz respeito ao convívio com familiares. Além disso, algumas falas parecem idealizar a família como “ótima”, “ela ajuda”, “normal”, para, logo em seguida, darem indícios de um receio de que venham a ser discriminados, colocados à parte no próprio convívio familiar. Isto pode indicar um temor de serem abandonados, desprotegidos socialmente, sem amparo à sobrevivência e até à locomoção. Segundo Erikson, apud Gallantin (1978), o conflito da adolescência envolve a formação da identidade e, possivelmente, em razão da deficiência visual, ocorrem “doses” reforçadas, por parte dos familiares, de atenção, de incentivos e de estimulação menos em relação às capacidades a serem desenvolvidas por eles, do que no sentido de ressaltar suas incapacidades, o que infelizmente é o que ocorre mais comumente.

O namoro

Entr. 1: Namoro, assim, eu não sei falar porque eu nunca namorei, né?
Entr. 2: É, eu penso que namoro sem... eu tenho que ver bem quem eu vou namorar, hoje eu estudo, né?
Entr. 5: Namoro... eu nunca namorei, bom, em relação a namoro eu nunca namorei ainda, nem paquerar, eu tenho 15 anos já... ah!... em relação a namoro não dá para falar,... e nessa parte de namoro eu tenho que ficar mais madura porque eu já tenho 15 anos, tenho que amadurecer mais essa parte eu acho, nesta parte eu me sinto meio infantil, assim.
Na passagem da infância para a idade adulta um dos aspectos peculiares é a maturação fisiológica, a aquisição da capacidade de procriar, ou gerar filhos, que meninos e meninas adquirem, com a primeira ejaculação e a menarca, respectivamente. Com isso, o enamorar-se é, em geral, uma decorrência freqüente. Quando se trata do adolescente portador de deficiência visual, no entanto, como se pode verificar pelas unidades de significado, apreendidas em suas falas, o namoro não está ocorrendo de fato. De acordo com Foreman (1989), o jovem deficiente visual adquire mais tardiamente a identidade social, em razão da superproteção e/ou rejeição por parte da família e da sociedade. Além de não estabelecerem a relação dialógica EU-TU com um parceiro, o que se percebe é um não-falar intencional sobre o tema: “namoro eu não sei falar, porque eu nunca namorei...”.
Trindade & Bruns (1995), em estudo sobre adolescentes grávidas, apontam para a desinformação e a falta de diálogo entre pais e filhos sobre sexualidade, o que mantém o jovem na ignorância em relação a decidir por si mesmo o que fazer de sua vida sexual, além de ser uma forma de negar e não reconhecer a sexualidade (crescimento) do próprio filho (Aberastury & Knobel, 1981). Constata-se, então, uma ausência da relação EU-TU entre pais e filhos, um diálogo genuíno que implica falar sobre prazer e não só sobre casamento e reprodução, como também falar de preservativo e não fazer uso de um discurso repressivo, o que talvez seja fundamental para que o jovem adquira confiança e segurança em relação às suas próprias escolhas sexuais. Embora na vivência concreta do mundo-vida destes jovens não ocorram namoros, porque se sintam infantis, imaturos ou inexperientes, os jovens demonstram o desejo (ainda que de forma idealizada) de que estas vivências se realizem de fato.

As relações afetivo-sexuais

Entr. 1: Tipo assim, é uma coisa assim, um medo, é, se eu namorar... de não dar certo, de eu não saber fazer a coisa direito... namoro eu não sei falar...
Entr. 2: Eu acho que nenhum rapaz que passou por mim, até hoje, me deixou magoada com os rapazes... eu tento levar uma vida amorosa assim... eu não sou namoradeira, porque também hoje em dia, né, uma menina de família tem que impor respeito...
Entr. 3: Que nem, se a gente se apaixona por um, depois, às vezes não dá certo de namorar... a gente fica sofrendo só.
Para Buber (1977), o ser existencial, o homem, em sua situação total em relação ao mundo, nas vivências concretas, somente existe em sua relação com o TU. Além disso, ele afirma que, para ocorrer o encontro com o TU, não há como premeditar, pois só ocorre se houver a disponibilidade do EU e do TU para esse encontro. Constata-se, então que, embora os adolescentes em suas falas demonstrem um desejo de realizar a vivência afetivo-sexual com um outro, permeia seu discurso, um medo que paralisa os esforços para tal fim.
Segundo Buber (1977) após sair-se da relação com o TU, ocorre o experienciar o TU. A experiência é o distanciamento do TU, que, invariavelmente, ocorre. Assim, estes adolescentes demonstram um temor em se envolver afetivamente com o outro, preferindo, então que este outro se mova ao seu encontro. Este temor indica uma barreira a fim de que haja a reciprocidade necessária para a existência do encontro genuíno EU-TU. A disponibilidade mútua não está presente, indiciando uma vivência pobre em trocas amorosas em razão da própria postura do adolescente.
Observa-se, também, uma postura passiva em relação ao outro. Levando em conta a sexualidade que, conforme definição de Chauí (1984), engloba uma série de excitações e atividades que proporcionam prazer, presentes desde a infância, e por estar vinculada não apenas a necessidades fisiológicas do homem, mas também ao simbólico, supõe-se que, inserido numa sociedade de consumo, o adolescente portador de deficiência visual (sem se enquadrar nos padrões estéticos veiculados pela mídia, e vivenciando um período de necessidade de auto-afirmação respaldada pelo social) na impossibilidade de se engajar em tais modelos, passa a agir como o estereótipo a seu respeito tenta fazer crer, isto é, como um ser assexuado e sem desejo. A atitude respalda as expectativas que os outros têm dele como ser estigmatizado. De acordo com Goffman (1988) as pessoas têm preconcepções a respeito do outro e estas são convertidas em expectativas normativas do que o outro seja, assim passa-se a exigir, de forma sutil e sem que se perceba, condutas desse outro, de acordo com a categoria em que ele se insere.

O universo escolar

Entr. 1: Eu tô lembrando de uma confusão que aconteceu na escola G., o pessoal ficou... então, eu entrei na 3ª série lá, e tava tudo bem, o pessoal super legal na classe, ...até à 6ª série, aí chegou na 7ª (série) e ficou uma coisa meio estranha, o pessoal começou a se afastar assim... afastava assim das conversa, das brincadeira, sabe, ...é, me deixava meio de lado, assim, eu ficava meio prá escanteio, sabe?...e isso foi meio prô fim da 7ª série...
Entr. 2: Na escola é..., uma parte das pessoas já acostumaram, sempre têm muitas crianças ali que já estão com mais de nove anos, e outras que são novas, lógico... zombam, tiram sarro, né, é... assim, é normal, uma parte assim eu entendo as pessoas que tiram sarro, é coitado, esse aí é um coitado porque ele enxerga e não tá enxergando dentro dele a ruindade...
Entr. 7: Aqui na escola é bom porque a gente aprende, é... e, estudamos bastante...
Ora as vivências no âmbito escolar são relatadas como enriquecedoras: lugar de aprendizagem, onde “se prepara para a vida” (entr. 3); em outros momentos, é “palco” onde se entra em contato com o preconceito de outrem como se verifica nas unidades de significado dos entrevistados 1 e 2.
Embora tenham sido pouco mencionados diretamente pelo adolescente, aqueles que estão nos “bastidores” do aprendizado e podem funcionar como mediadores na integração do portador de deficiência visual na escola são os profissionais especializados no atendimento do aluno DV.

O preconceito

Entr. 2: Ah! A gente tem desprezo... mas minha vida tá normal, tirando as coisa que acontece, porque, assim, é normal na vida,... um desprezo, sempre acontece... pode ser na rua e tal,... a gente fica meio assim, mas sempre tem outra coisa prá me animar, porque eu sempre tô dando risada, fico animando os outros, os outros me animando... eu animo mais os outros do que os outros me anima, mas tudo bem... assim, por exemplo, deixar você no canto, né?...
Goffman (1988:20) relata que o estigmatizado pode ver as privações que sofreu como uma bênção secreta, especialmente graças à crença de que o sofrimento muito pode ensinar a uma pessoa sobre a vida e sobre as outras pessoas. Além disso, o deficiente pode reafirmar as limitações dos normais, segundo a fala de um cego (Goffman, 1988:21):

“...há muitos acontecimentos que podem diminuir a satisfação de viver de maneira muito mais efetiva do que a cegueira. Esse pensamento é inteiramente saudável. Desse ponto de vista, podemos perceber, por exemplo, que um defeito como a incapacidade de aceitar amor humano, que pode diminuir o prazer de viver até quase esgotá-lo, é muito mais trágico do que a cegueira. Mas é pouco comum que o homem com tal doença chegue a aperceber-se dela e, portanto, a ter pena de si mesmo”.

Assim, o confronto com a diferença, com o “estranho” parece ser doloroso na busca de uma solução para efetivar o encontro. E, na impossibilidade de ser igual, parece haver uma impossibilidade de estabelecer a relação EU-TU, relação essa que ao não se processar na totalidade do ser caracteriza a relação EU-ISSO.

Em direção à estrutura geral do fenômeno adolescer

O adolescer para portadores de deficiência visual significa uma vivência permeada pelo preconceito e pelo tabu.
Após a análise das unidades de significado, apontadas pelos jovens entrevistados, fez-se uma análise da estrutura psicológica que permeou seus discursos. Com isto, buscou-se desvelar o fio condutor que esteve presente nas várias falas, convergentes ou divergentes entre si.
Em busca deste fio condutor nos discursos dos adolescentes, constata-se uma pobreza qualitativa nas “experiências vividas” e compartilhadas com o outro. Em caso de ocorrerem tais experiências, estas aparecem envoltas por idealizações e um ‘véu’ de superficialidade. O sentimento que permeia os discursos traduz-se por uma tentativa de fuga do estereótipo dos comportamentos tidos como ‘normativos’ para os deficientes visuais, mas, tal como numa armadilha, os discursos apontam exatamente no sentido de que as atitudes do adolescente diante do seu dia-a-dia não escapam às expectativas do senso comum. Na tentativa de manter oculta tais atitudes, substituindo-se a qualidade pela quantidade, não apontam para a ocorrência do encontro genuíno EU-TU.
Constata-se que, do psicólogo, do pedagogo, do mestre, enfim, do profissional que lida diretamente com o portador de deficiência visual são exigidas habilidades especiais para atender a necessidades específicas deste grupo de educandos.
O mestre é o veículo por intermédio do qual o aluno deficiente vai aos poucos integrando-se socialmente com pessoas que possuem visão normal dentro e além dos limites da escola. Vale ressaltar que com o sistema de leitura e escrita Braille, inventado em 1824 por Louis Braille, um jovem francês cego, usando as sessenta e três combinações possíveis de seis pontos em relevo, o deficiente visual passou a ter acesso à leitura de material literário, numérico e musical, despertando-o para outras possibilidades de interação.
O papel do educador num programa educacional para deficientes visuais vai muito além de ensinar o sistema de leitura e escrita Braille, devendo participar, igualmente, do processo de inserção de tais alunos em classes comuns. Nestas classes, os adolescentes entram em contato com alunos dotados de visão, deparam com desafios necessitando de suporte do profissional especializado e da família para ultrapassarem os obstáculos, como, por exemplo, a possível ocorrência de um isolamento dos demais colegas de classe em atividades e conversas. Além disso, o educador especializado deve dar ênfase à autonomia do adolescente DV, que tem deveres e obrigações e não deve usar a deficiência como justificativa para seus insucessos. A postura de enfrentamento dos obstáculos durante o processo educacional por parte do educando está condicionada, em muito, pela atitude positiva e firme do mestre que se dispõe a superar as dificuldades conjuntamente com os educandos.
Na medida em que o educador do portador de deficiência visual orienta os professores de sala de aula comum, que recebem estes jovens, ou seja, sem superprotegê-los, conforme o estereótipo de impotência e dependência que ronda o DV, o atendimento do cego resulta, freqüentemente, em práticas sociais que buscam desenvolver e enfatizar as capacidades do adolescente. Além disso, a conscientização do professor de classe comum pelo professor itinerante ou pelo consultor possibilita uma diminuição da distância entre professor e aluno, e um asseguramento de um vínculo mais condizente com a realidade do jovem deficiente no que diz respeito às suas potencialidades e desempenho acadêmico.
No contexto escolar, há possibilidades de se trabalhar os preconceitos e tabus que, em geral, permeiam as relações dos estudantes DV e seus colegas e professores. Estas possibilidades podem ser criadas pelo profissional especializado como forma de mobilizar alunos e educadores para a questão. Assim, podem ser proporcionadas situações de atividade lúdica, nas quais as pessoas dotadas de visão possam se colocar no “lugar” do DV, experienciando suas sensações. Por exemplo, colocando-se uma venda nos olhos durante alguns minutos e sendo guiado por outra pessoa vidente, é possível despertar impressões que, em geral, passam despercebidas para quem enxerga, como, por exemplo, ficar mais atento aos ruídos em torno de si para se orientar com mais segurança no espaço físico em que se encontra.
Em relação aos familiares, constata-se uma escassez de diálogo entre pais e filhos, um silêncio que tenta esconder preconceitos, tabus e diferenças. O trabalho do profissional especializado com os familiares do adolescente com deficiência visual deve dar-se no sentido de orientação, estimulação e integração deste jovem no meio doméstico, no qual, comumente é superprotegido ou rejeitado pelos familiares que não têm subsídios para lidar com ele. Além disso, não sabem como “trabalhar” seus próprios preconceitos e tabus.
O respeito à pessoa deficiente é, sem dúvida, prioritário diante de todo método que sirva para a adaptação do deficiente visual. O fato de o professor especializado ser também um indivíduo DV favorece uma identificação entre professor-aluno, garantindo uma aproximação maior entre ambos e propiciando a comunicação por parte do aluno de que o desenvolvimento de suas capacidades é possível, tendo por modelo a postura do professor.
Ver de perto o adolescente portador de deficiência visual e estabelecer com ele uma relação EU-TU não significa reduzi-lo à cegueira, mas sim, dar a ele chance de viver consciente de sua deficiência, numa existência humana que implica, necessariamente, frustrações e satisfações a que todo ser humano está exposto.


Horizontes

“A gente às vezes fica triste porque algumas coisas a gente tem que aprender mais do que uma pessoa que enxerga, mas eu acho que eu sou normal, assim... todo mundo fala, ela paquera, ela... eu faço tudo, eu saio com as pessoas, converso, normal, tento ser o mais normal possível porque eu quero demonstrar para os outros que eu sou normal, eu só não tenho a visão...” (entrevistada 2, DV, 15 anos)
Nosso encontro com os adolescentes aconteceu numa escola pública, instituição atualmente sem crédito em nosso país como formadora de cidadãos, mas que nos proporcionou uma experiência que veio comprovar o inverso, ou seja, provou-nos que, onde existe vontade, determinação e ENCONTRO de pessoas competentes, há de se construir algo. Nesta escola, deparamos com a preocupação, por parte dos profissionais, com a qualidade da formação acadêmica dos jovens portadores de deficiência visual. Além disso, de forma crescente, foram introduzidos mais profissionais que se dispuseram a trabalhar em áreas diversificadas em favor desses alunos. Foram aulas de Educação Física, de violão, de Inglês, novas aquisições no universo de aprendizagem escolar dos alunos cujo início pudemos observar. Quanto essa experiência pedagógica enriquece a vivência do DV! É um privilégio termos experienciado a vivência com estes profissionais e educandos na medida em que já deram o primeiro passo para que o portador de deficiência visual se insira, de forma mais eficaz, como um ser total, no mundo-vida, desenvolvendo e ampliando suas capacidades. Esta escola está trilhando um caminho de esperança na formação do cidadão brasileiro.
O que vislumbramos daqui para frente são possibilidades, baseadas na aproximação que alcançamos com os adolescentes e nos indícios detectados na análise dos depoimentos obtidos. Primeiramente, a escola, na qualidade de elo entre o DV e seus familiares desempenha um papel fundamental, na medida em que pode possibilitar aos familiares o confronto com dúvidas, o acesso ao desenvolvimento do filho deficiente, o entendimento de seus sentimentos de superproteção e/ou rejeição em relação ao filho, e o que tal conduta pode acarretar. Pode-se viabilizar, no contexto escolar, uma intervenção com os pais, proporcionando um espaço para formar e informar pais, por meio do compartilhar vivências, angústias, formas de lidar com o filho, possibilitando-se uma identificação entre esses pais, propiciando o alívio de verificar que outros pais estão vivenciando possíveis medos e dúvidas semelhantes aos seus, além da possibilidade de se tornar um espaço propício para se indagar sobre seus próprios preconceitos diante da deficiência do filho.
A educação do deficiente visual ainda está, em muito, pautada nos moldes do mundo experienciado pelos videntes, o que clama por novas elaborações e que está a reclamar uma reavaliação à luz da ciência. Isto é mais notório quando se trata da educação sexual dos jovens adolescentes, prejudicados pela ausência da visão.
Num dos quatro encontros citados anteriormente, como forma de acesso aos entrevistados, foi proposto um jogo lúdico no qual cada integrante do grupo fazia o reconhecimento de um objeto, dentre aqueles colocados em um saco de estopa. O objeto não-reconhecido foi um preservativo, o que mostrou que a educação do DV acontece pelo tato, pelo toque, relacionado com o ouvir, ou seja, o que se toca (pega) é que tem um nome, não o que se vê, como ocorre com as pessoas dotadas de visão. Em vista disso, quando se pensa no silêncio dos pais face à sexualidade dos filhos, entende-se um possível porquê da ocorrência do desconhecimento de que o objeto em mãos fosse uma camisinha. Os deficientes visuais experienciam pelas mãos, pelo toque, pelo tato, pelo cheiro, pelos sons a sua volta, não pela visão, ou muito pouco por meio desta. E, não é por serem portadores de deficiência visual que a libido não esteja neles presente.
É preciso entender de fato que somente o discurso oral com relação à deficiência não é eficiente para educar o DV. Para Buber, a existência humana está inserida em um mundo concreto, que é experienciado e significado de forma peculiar por cada indivíduo. Há de se perceber que o deficiente visual tem a sua maneira de contactar-se e não há como exigir que ele o faça segundo os moldes de um mundo-vida experienciado por videntes. O que parece mais cruel é que, por vezes, por não se enquadrar nos padrões de “normalidade” física, em vez de se ressaltarem suas outras capacidades, o DV é reduzido à cegueira estigmatizadora.
Paliativos e superproteção não resolvem a questão. O DV há de se lançar ao mundo-vida. A fala da entrevistada 2, citada no início dos “Horizontes”, parece apontar para uma negação da realidade, ou seja, negar o fato de ser deficiente e não se enquadrar em normas da sociedade no que se refere a padrões estéticos de beleza e de eficiência, mas, talvez, a perspectiva de desenvolver as capacidades a despeito da limitação visual deva ser reforçada, mesmo que se apóie em uma possível idealização a respeito de sua condição.
Basta de olhos que aprisionam deficientes e videntes, que não são capazes de “ver” o ser em sua totalidade. É hora de dar espaço e voz para este adolescente carente e empobrecido de trocas amorosas e de vinculação com o mundo real, existencial, concreto.
Esta pesquisa não esgota a compreensão sobre o fenômeno “ADOLESCER” pelo portador de deficiência visual. Ela lança luz a alguns caminhos, e aponta para outras questões abordadas no decorrer deste texto.



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Maria Alves de Toledo Bruns é doutora em Psicologia Educacional pela UNICAMP e orientadora sexual pela Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana – SBRASH – em São Paulo. Realiza pesquisa na área de Sexualidade e Envelhecimento na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – USP, Ribeirão Preto; Patrícia Lopes Salzedas é psicóloga e mestranda em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo – Campus de Ribeirão Preto e com Aprimoramento em “Fundamentos de Psicologia em Saúde Pública da Mulher” no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP).

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