- Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior*
Educar em
Direitos Humanos.
A grande magia de ser professora
ou professor é ter a possibilidade de abrir caminhos para o futuro, nos quais
as pessoas agirão com mais fraternidade, guiadas por valores que resgatem, a
cada momento, a dignidade humana.
Educar não é transmitir
informações, mas antes, ensinar a pensar o mundo de todos e para todos. O mundo
aberto, sem discriminação, marcado pela diversidade que confere valor ao
conjunto, oferece espaço e oportunidade às diferenças e não aceita as
desigualdades construídas, de acordo com Paula & Maior.
Cada professor precisa estar
preparado para a educação em direitos humanos, com conteúdos que inspirem
confiança na justiça social, que instiguem a prática da responsabilidade
coletiva para a promoção da vida, com foco em ações diárias de cidadania.
A escola mudou, está em
transformação contínua e, receber as pessoas sem rótulos faz parte da evolução
cultural. “Ser diferente é normal”, estar na escola é normal, construir a
escola inclusiva é mais do que normal, é indispensável para o alcance de uma
cultura voltada para a paz entre as pessoas e as nações.
A partir dos direitos humanos
somos iguais na diferença e, portanto, suportes, apoios e tecnologia assistiva
são necessários para haver a inclusão na escola, no ambiente próximo, na
comunidade e no mundo. As crianças, os jovens, suas famílias (adultos e idosos)
têm o direito de conviver sem barreiras de atitude contra as minorias, entre
elas a das pessoas com deficiência, as quais têm habilidades e desenvolvem
competências, quando incluídas em ambiente pluralista e não marginalizador.
Da teoria à prática, há o marco
legal, que precisa estar atualizado com a realidade e existem também as
políticas públicas que valorizam o direito à educação, investem em qualidade e
acesso de qualquer pessoa em bases iguais com as demais. A partir dessa
sustentação, emergem planos, programas e ações, com metas, cronograma, recursos
humanos e recursos orçamentários. O Estado é responsável pela educação de todos
e a sociedade tem a função de acompanhar os programas desde a etapa de
elaboração até a execução e o monitoramento dos resultados. Os conselhos de
educação e os dos direitos das pessoas com deficiência exercem esse papel.
A
Convenção da ONU.
Em 13 de dezembro de 2006, a
Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, o mais recente tratado internacional de direitos
humanos, que dedica o artigo 24 à Educação, asseverando que “Os Estados Partes
reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse
direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados
Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o
aprendizado ao longo de toda a vida.”
De acordo com o relato de Maior,
“... o Congresso Nacional, entre os dias 13 de maio e 9 de julho de 2008, convocou
audiência pública, escolheu a relatoria, realizou a votação e a promulgou o
Decreto Legislativo n° 186/2008, da ratificação da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, documentos da
Organização das Nações Unidas - ONU. De forma inédita, coerente com o que o
movimento das pessoas com deficiência, os especialistas e o governo federal
ansiavam, a nova convenção de direitos humanos é agora um mandamento da
Constituição Federal. O Brasil fez o depósito, na ONU, tanto da ratificação da
Convenção quanto do Protocolo Facultativo, no dia 1° de agosto de 2008,
tornando-se o 34° e o 20° Estado Parte a assim proceder. A Convenção com
equivalência à emenda constitucional é a maior conquista que o movimento das
pessoas com deficiência obteve em 2008”.
Caberia acrescentar que a
Convenção da ONU é o mais importante trunfo para a inclusão de 15% da população
mundial, cerca de um bilhão de pessoas, como estima o Relatório Mundial sobre
Deficiência, lançado em 2011, elaborado pela Organização Mundial da Saúde e
pelo Banco Mundial. Esta cifra confirma os dados do Censo IBGE 2000, que
apontou 14,46% como a média nacional de pessoas com limitação funcional.
É importante esclarecer, conforme
Maior & Miranda, que a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva encontra-se em perfeita sintonia com o
documento da ONU e a educação inclusiva constitui um paradigma educacional
fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e
diferença como valores indissociáveis.
Ainda citando os mesmos autores,
a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência traz as diretrizes
gerais sobre cada um dos direitos, cabendo ao Brasil transformá-las em
políticas e ações, tais como as preconizadas na Política de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva: fazer com que em todas as etapas e
modalidades da educação básica, o atendimento educacional especializado seja
organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória
dos sistemas de ensino a ser realizado no turno inverso ao da classe comum, na
própria escola ou centro especializado que realize esse serviço educacional.
Percepção
dos Direitos Humanos.
Em 2008, a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República encomendou a pesquisa de opinião pública
“Percepção sobre Direitos Humanos no Brasil”, que envolveu 2011 entrevistados,
de 150 municípios nas cinco regiões do país. Encontrou resultados interessantes
para o debate da educação em direitos humanos. Em resumo, a população valoriza
os direitos sociais 68%, e de forma espontânea cita: direito à saúde, 47%, à
educação, escola ou estudo, 38% e ao trabalho, 26%, em contraste aos direitos
individuais ou civis, 53%. Dos direitos sociais reconhecidos como direitos
humanos, o direito à educação e à saúde tiveram 98% de respostas de
concordância, quando apresentadas as opções.
Entre os direitos de igualdade,
92% da população consideram que pessoas com e sem deficiência devem ter
direitos iguais. Entre as prioridades de violações a serem combatidas, a
discriminação contra as pessoas com deficiência foi citada por 66% dos
entrevistados. Nesses dois índices, a questão da pessoa com deficiência ficou
em segundo lugar, superada somente pela questão entre negros e brancos.
Consideradas dezoito políticas públicas, a de atenção às pessoas com
deficiência foi mencionada a terceira em grau de importância (95%) entre as
ações do governo federal (combate ao abuso e exploração sexual de crianças e
adolescentes e combate à violência contra a mulher foram as duas primeiras,
respectivamente, 97% e 96%).
Capacitação
e valorização dos professores para a inclusão.
Tanto a Convenção da ONU como a
Política de Educação explicitam a capacitação dos docentes, os recursos de
tecnologia assistiva e demais meios e modos de apoio como elementos de base
para a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais ao sistema
regular de ensino.
Transcorridos os primeiros três
anos da entrada em vigor da Convenção da ONU, é hora de mensurar a percepção
das professoras e professores sobre o que entendem como direito humano à
educação inclusiva. Saber se estão no centro do debate de como deve ser a sua
capacitação para transformar a vida de todos os alunos em convivência
harmoniosa entre diferentes, pois ninguém é idêntico ao outro, mas todos são
iguais em sua essência humana.
As escolas e centros educacionais
responsáveis pela formação dos mestres de hoje recebem novos desafios a cada
momento: a inclusão digital, a era do conhecimento, os princípios do
desenvolvimento sustentável, enfim, o girar dos ponteiros do relógio muitas
vezes mais veloz do que a capacidade de absorver os novos conteúdos, de
assimilar as mudanças tecnológicas e posicionar-se de maneira tempestiva para
imprimir sua marca essencial às transformações culturais. O mundo não evoluirá
sem a contribuição e a participação dos mestres de cada uma das turmas
escolares existentes no nosso país e nas diversas maneiras de educação não
formal. Não há revolução cultural para a inclusão que possa deixar à margem a
capacitação em direitos humanos de cada um e de todas as professoras e os
professores brasileiros. Respeitar-lhes os direitos é condição básica para que
possam desenvolver a noção de exercício da cidadania junto aos seus alunos e,
com isso, atingir toda a sociedade.
Sabe-se que as condições de
trabalho e a faixa salarial não respeitam o papel dos professores e tampouco
servem de referencial para estimular novas gerações de profissionais no campo
da educação. As oportunidades de capacitação continuada são poucas e, muitas
vezes, fora do poder aquisitivo desses profissionais. De forma semelhante, a
compra de livros e revistas, a participação em atividades artísticas,
científicas e culturais também é escassa e não está garantido ou é insuficiente
o direito ao acesso à rede mundial de informação e comunicação, que tem como
requisitos computadores, internet e periféricos.
Propostas
para o alcance da educação inclusiva.
As condições atuais têm jogado
sobre a vocação e o empenho individual a maior parte do ônus de ser
profissional da educação no Brasil. Decerto, a política de valorização do
magistério existe em lei e a ela são destinados recursos do orçamento público.
Diversas estratégias de gratificação são postas em prática e outras medidas de
atração para a permanência dos professores nas salas de aula surgem a cada dia.
É claro que esses pontos dependem de decisão política, de uma grande
concertação nacional no âmbito dos entes federativos e da esfera não
governamental. As professoras e os professores não podem desaparecer mesmo na
era da realidade virtual.
De maneira bem objetiva propomos
que os mestres sejam ouvidos e nos digam o que falta em sua formação e
capacitação continuada para apostarem ainda mais na educação inclusiva irrestrita,
que ultrapassa a própria educação especial inclusiva de alunos com deficiência.
Com a pesquisa de opinião pública
sobre a percepção dos direitos humanos, ficou claro o alto grau de importância
que a população brasileira atribui ao direito social à educação. Na sequência,
o estudo demonstrou que a discriminação contra as pessoas com deficiência foi
apontada como violação a ser combatida, pois se entende que pessoas com e sem
deficiência tem direito à igualdade, embora esse seja o terceiro direito humano
mais desrespeitado. E com referência às políticas federais, aquela que trata da
atenção às pessoas com deficiência está entre as três mais importantes segundo
a opinião pública.
É possível considerar que a
pesquisa ao refletir a percepção da população em geral, também apresenta a
percepção dos profissionais da educação, o que permite assumir os resultados
como ponto de partida para a valorização dos professores como agentes de
efetivação do direito das pessoas com deficiência à educação em ambientes de igualdade
de direitos e sem discriminação.
Sociedade,
professores, governo e a Convenção da ONU.
A sociedade tem seu tempo de
transformação e, historicamente demanda do Estado, novas normas e medidas que
expressem a sua vontade. As organizações não-governamentais têm trabalho em
rede, em parcerias com redes internacionais e com universidades e grupos de
pesquisadores para demonstrarem que o tempo da educação inclusiva chegou. Tanto
é assim que foi possível uma parceria de setores governamentais e dos
movimentos sociais organizados, para a garantia do acesso e da permanência com
sucesso dos alunos com necessidades educacionais especiais na escola de todas e
todos.
A afirmação que o governo
estabeleceu como uma das prioridades a educação inclusiva pode ser considerada
verdadeira. Esta decisão obedece aos tratados internacionais, gerais e
específicos de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. As pessoas com
deficiência são sujeitos dos mesmos direitos de todos os membros da sociedade.
Por decorrência imediata, os bens e serviços disponíveis na comunidade estão
legalmente obrigados a lhes proporcionar o acesso. Com a participação pró-ativa
de mestres formados e capacitados na educação em direitos humanos, a educação
inclusiva ganha coerência e consistência, corpo e alma.
Referências
Bibliográficas.
·
Paula AR; Maior IMML. Um mundo de todos para todos:
Universalização de direitos e direito à diferença. (In) Revista Direitos
Humanos/Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Brasília, v. 1, n. 1, p.
34-39, dez. 2008;
·
Maior IMML. Apresentação In: A convenção sobre
Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada. Resende APC, Paiva FMV,
coordenadoras. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, Brasília, 2008;
·
World
Health Organization. World Report on Disability 2011. Malta,
2011.
·
Maior, IMML; Miranda JR. Opinião. (In) Inclusão:
Revista da Educação Especial/Secretaria de Educação Especial, Brasília, v. 4,
n.1, p. 56, jun./jul.2008.
·
Brasil, Percepção sobre os Direitos Humanos no
Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República,
Brasília, dez. 2008.
Texto em homenagem aos Mestres Marilia
Madeira Costa e Francisco Duarte, in memoriam.
Izabel Maria Madeira de Loureiro
Maior*
·
Médica fisiatra, Mestre em Medicina Física e
Reabilitação;
·
Docente da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio de Janeiro;
·
Especialista em Neurologia, Bioética, Política
Pública e Gestão Governamental;
·
Integrante do Núcleo Interdisciplinar de
Acessibilidade, Reitoria da UFRJ;
·
Atua no movimento social de luta das pessoas com
deficiência desde 1977.
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